Numa mesma semana, um menino de 12 anos, cansado de tanta agressão e, sobretudo, de tanta indiferença, atirou-se ao Rio Tua ao encontro da morte. E foi conhecida a acusação do Ministério Público contra um homem de 33 anos de idade, ex-aluno do Colégio Militar, que entre 2001 e 2003 abusou de 7 alunos com idades entre os 9 e os 12 anos.
No primeiro caso, é agora referido que as agressões eram contínuas, até já tinham levado anteriormente a um internamento hospitalar de 2 dias e aparentemente ninguém quis saber nem ninguém tomou qualquer medida efectiva. No segundo, fica-se a saber que o referido ex-aluno do Colégio Militar (onde andou durante 8 anos) tinha não só “muito prestígio” como também “permissão para entrar na instituição quando quisesse e com quem quisesse” e ainda que as razões do silêncio das vítimas e dos seus colegas acerca dos abusos são as de que “era impensável alunos do 1º ano dizerem não a um aluno mais velho” e que “aquilo é uma hierarquia, quem está em cima é que manda”!...
Ora, para além da mais absoluta inaceitabilidade deste tipo de situações e da necessidade de apuramento até ao fim das respectivas responsabilidades, ao nível não apenas dos agressores mas também de todos aqueles que com a inacção, a incúria ou o silêncio cúmplice possibilitaram que agressões e abusos como estes pudessem ocorrer e repetir-se sempre impunemente, creio que é preciso ir mais longe e mais fundo!
É necessário discutir a sério o que são hoje as nossas Escolas (públicas ou privadas, civis ou militares), que conteúdos, que princípios e que valores nelas são ensinados e de que modelo de sociedade curam elas de assegurar a respectiva e acéfala reprodução.
É preciso assim denunciar o abandono de qualquer perspectiva cívica, a completa desvalorização da pessoa humana e da sua dignidade, bem como a descaracterização e mesmo o descrédito do Trabalho como factor de realização pessoal e profissional, e a substituição desta concepção por uma lógica de “fábrica” ou de “quartel”, de par com a ideologia própria da chamada “globalização” assente na pregação do dinheiro, do poder, da competitividade e do “sucesso” como os valores supremos de aferição de todas as condutas, a deificação do individualismo extremo e a afirmação de que os fins justificam todos os meios, tudo de par com uma espécie de “darwinismo social” que tende a demonstrar a “bondade” e a “inelutabilidade” da ideia de que na sociedade actual "naturalmente" não há nem pode haver lugar para os mais fracos e mais vulneráveis, para os idosos, para os doentes, para os deficientes, para os simplesmente diferentes.
E, logo, tudo o que encaixe em tal concepção do Mundo é, senão aceitável e até positivo, pelo menos tolerável e compreensível…
Que este debate possa ser levado a cabo de forma consequente e que ao menos desta feita os gritos das vítimas não sejam, uma vez mais, abafados pelo manto diáfano do silêncio, com a já habitual invocação da pretensa necessidade de “não criar alarmismos” ou de que quem denuncia estes autênticos regressos à barbárie estaria afinal a levar a cabo meras campanhas de “manipulação da opinião pública”!