Por uma primeira leitura que já fiz do Programa do Governo hoje anunciado, julgo que se pode dizer desde já que ele apresenta três características essenciais:
Por um lado, representa a aplicação do programa da troica (e nalguns casos vai mesmo além dele) com o objectivo essencial de pôr o Povo Português a pagar uma dívida que não foi ele que contraiu nem foi contraída em seu benefício. Por outro lado, não explica em parte alguma como é que Portugal, com esse programa ou outro qualquer, iria conseguir pagar uma dívida externa bruta (ou seja, dívida externa do Estado + dívida externa dos particulares + dívida ao estrangeiros dos bancos e das empresas) que era em 31/12/2009 de mais de 548 mil milhões de dólares (grande parte dos quais decorrentes de juros completamente especulativos e usurários) e que, representando 229,4% do PIB, colocava o nosso País no 9º lugar dos Países mais endividados do mundo em termos desse rácio! Finalmente, representa a “habilidade” de não expressar claramente as medidas, e respectivas consequências, que o Governo sabe precisamente que maior repúdio suscitarão por parte do Povo.
Tudo isto significa que, dentro de muito pouco tempo e passado que seja o “estado de graça” com que toda a Comunicação Social procura agora rodeá-lo, o Governo estará a aprovar e procurar aplicar medidas violentíssimas contra quem vive do seu trabalho e a alegar que, mesmo assim, isso não chega e que é preciso apertar ainda mais o cinto, ou seja, aumentar ainda mais os impostos, cortar ainda mais nos salários, pensões e subsídios sociais e subir ainda mais os preços dos produtos e serviços, com a saúde à cabeça, de primeira necessidade. E ainda por cima a invocar que tudo isso afinal já constava do Programa do Governo “legitimado” pelo voto popular …
A título de exemplos, mas exemplos bem significativos, saliento: não há neste Programa do Governo uma indicação precisa das empresas que se pretende privatizar mas sim o “identificar todas as empresas com participação directa ou indirecta do Estado cuja actividade se entende dever ser libertada para o sector privado e calendarizar as respectivas operações de alienação”, ou seja, serão TODAS as que o Governo quiser e a troica lhe mandar; não se refere o abaixamento das indemnizações de antiguidade, a diminuição do pagamento das horas extraordinárias e a facilitação dos despedimentos individuais por extinção dos postos de trabalho ou por inadaptação – que estão expressamente contemplados no memorando da troica – mas utilizam-se as fórmulas propositadamente genéricas e abstractas (e, logo, que permitem abranger tudo o que se queira, muito para além do que a própria troica mandou…) do estilo de “modernizar o mercado de trabalho e as relações laborais”, de “simplificar a legislação laboral”, de haver “na situação de indemnização em substituição de reintegração a pedido do empregador (…) uma concretização do seu alargamento às pequenas e médias empresas”( o que apenas pode representar a “monetarização” dos despedimentos ilícitos e sem justa causa), referindo-se ainda que “se flexibiliza o período experimental no recrutamento inicial” e sobretudo que se fará uma “ponderação da passagem para a existência legal de um só tipo de contrato de maneira a tendencialmente acabar com os contratos a termo” (o que também só pode significar um contrato de trabalho de tal maneira precário e fácil de extinguir que torna desnecessário o actual tipo legal do contrato a prazo, mas, claro, nada disso se diz no texto do Programa…).
E obviamente que, enquanto se prevê a diminuição da taxa social única patronal (para “diminuir os custos de trabalho para as empresas”), estabelecem-se desde já, mas ainda e sempre sem quantificar nem especificar, aumentos do IVA, do IRS e do IMI, para além dos das taxas moderadoras e dos preços dos medicamentos.
Assim, para quem ainda tinha dúvidas de que votar nos Partidos amigos da troica era votar nos despedimentos, nos aumentos de impostos e no agravamento da pobreza e da miséria, o texto deste programa – ainda que elaborado de forma propositadamente subreptícia e dissimulatória – aí está para as dissipar por completo!