Afinal já havia quem há muito o denunciasse, só que nessa altura
(quase) ninguém quis ouvir!...
Pela actualidade e premência do respectivo teor aqui ficam excertos da
comunicação que, sob o título “O 25 de Abril deixou de existir!” tive
oportunidade de apresentar ao I Congresso da Democracia Portuguesa, realizado
em Lisboa (Fundação Calouste Gulbenkian) em Novembro de 2004, ou seja, há sete anos
e meio atrás!
“O regime democrático estabelecido com o 25 de Abril deu a alma ao
criador, e o que temos hoje é a instalação crescente, que começou de forma
larvar e hoje se faz de modo cada vez mais evidente e alargado, de um
verdadeiro proto-fascismo, que liquidou a Democracia e a transformou numa mera
fachada, cada vez mais decrépita.
A verdade, absolutamente lamentável, é que ninguém, ou quase ninguém,
se apercebeu como a Justiça, de Código em Código, de reforma legislativa em
reforma legislativa, foi evoluindo no sentido de ir liquidando a Democracia
(como é exemplo o Processo Penal, que com as reformas, em larga medida
adoptadas pelos Governos PS sob a batuta do ex-Procurador Geral da República
Cunha Rodrigues, tem hoje uma lei pior que o Código do fascismo de 1929).
O sector da Justiça foi assim derivando, derivando – com excepção da
reforma das leis Administrativas, da responsabilidade fundamental do Prof.
Freitas do Amaral, consubstanciada no tríptico do Código do Procedimento
Administrativo (que aliás hoje se quer liquidar), do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais e o Código dos Tribunais Administrativos e, enfim, a
lei sobre a responsabilidade extra-contratual do Estado (que nunca mais é
publicada) – o sector da Justiça foi derivando sucessivamente, dizia, até
atingirmos um ponto chave de extrema gravidade.
(…)
Violações absolutamente cirúrgicas do segredo de Justiça que só podem
ser cometidas pela acusação pública (como as que se seguiram por exemplo, e à
guisa de contra-ataque, ao Acórdão que ordenou a libertação de Paulo Pedroso);
grupos de Jornalistas, ex-assessores, ou futuros assessores do Poder e/ou
adstritos a cada uma das forças policiais (PSP, GNR e PJ), que estão hoje
claramente comprados por estas forças (mesmo que a gente não os veja a passar o
recibo) e ao serviço delas. Instituída, praticada e cada vez mais implementada
a possibilidade de se lincharem, de forma tão irremediável quanto
verdadeiramente impune, cidadãos incómodos – eis o ponto a que nós chegámos
neste campo.
(…)
E – “the last but not de least !” – assistimos também a uma cada vez
maior autonomia, um crescendo de poder e de arrogância, e agora à autêntica
“roda livre”, das polícias e dos Serviços de Informação neste país.
(…)
Ora, se se chegou aqui foi porque, sempre em nome da “segurança”, se
promoveu e se permitiu o desenvolvimento, primeiro de forma larvar e depois, de
modo cada vez mais evidente, de novas polícias políticas, a actuarem, a
crescerem, a cruzarem-se e a coordenarem-se entre si, a centralizarem-se e a
organizarem ficheiros e bases de dados e a levarem a cabo operações secretas,
sem nenhuma espécie de fiscalização, no Parlamento e fora dele.
É preciso assim dizer com todas as letras que estamos hoje perante
autênticas sociedades secretas, que controlam cada vez mais, que fazem escutas,
que têm contacto com os indivíduos mais ignóbeis (como o espião sul-africano
Peter Groenwald, procurado em diversos países pelo assassinato a sangue frio de
vários elementos do ANC e que se safou impune em Portugal por colaborar com o
SIS), que no silêncio da impunidade e na escuridão da falta de controle
democrático, vigiam, espiam, manejam, manipulam e assassinam civicamente, com
balas (leia-se, jornais e televisões) bem mais eficazes do que aquelas que
mataram John Kennedy!...
E se uns são responsáveis políticos directos (como os partidos de
direita) que consciente e organizadamente puseram de pé e consolidaram estes
instrumentos de poder e de repressão, outros, como o PS, ou são também
directamente responsáveis (pois aprovaram de cruz todas e cada uma das medidas
nessa área) ou são irremediavelmente obtusos por pensarem que a repressão é boa
desde que sejam eles a controlá-la e ainda por julgarem que poderiam alguma vez
controlar esta autêntica “orquestra negra” que se foi sucessivamente agrupando
e montando nas nossas costas e que, após diversos ensaios mais ou menos
silenciosos, iniciou já a ribombante interpretação final da marcha fúnebre da
Liberdade e da Democracia!...
Com polícias e serviços de informação que são assim verdadeiras
“sociedades secretas”, e, mais do que isso, verdadeiras centrais de conspiração
negra, actuando em “roda livre”;
Com uma Justiça em que o princípio constitucional da presunção de
inocência foi integralmente substituído pelo princípio pidesco da presunção de
culpabilidade, em que os maiores e mais importantes poderes, a começar pelo
Ministério Público, são incontrolados e incontroláveis, em que todas as
liberdades e direitos democráticos foram pura e simplesmente liquidados e aniquilados,
e que hoje constitui antes um instrumento privilegiado para operações
cirúrgicas de assassinato cívico de diversos políticos;
(…)
Onde estão afinal as elites universitárias, os escritores? Onde estão
os intelectuais? Perderam em definitivo a capacidade de pensar livremente e a
capacidade de se indignarem? Preferiram de vez deixar-se abater pelo desânimo,
pelo perorar acerca da saudade e do passado próximo ou distante? Onde está a
Esquerda?
É que se ninguém faz nada, e como estamos todos no mesmo esburacado e
destruído barco da Democracia, ele afundar-se-á irremediavelmente.
Meus Caros Amigos:
Não podemos assim deixar que suceda que:
“Primeiro, levaram os judeus.
Mas não falei, por não ser
judeu.
Depois, perseguiram os
comunistas.
Nada disse então, por não ser
comunista.
Em seguida, castigaram os
sindicalistas.
Decidi não falar, por não ser
sindicalista.
Mais tarde, foi a vez dos
católicos.
Também me calei, por ser
protestante.
Então, um dia, vieram
buscar-me.
Mas, por essa altura, já não restava
nenhuma voz
Que, em meu nome, se fizesse
ouvir.”
(Martin Niemöller)
(Martin Niemöller)
Será então que nos vamos deixar afundar? Será que nos vamos calar?
Será que vamos pôr o joelho em terra neste combate?
Por mim, respondo desde já: NÃO, NÃO VOU POR AÍ!
E até por isso mesmo, convoco-vos aqui e agora para que cada um de vós
responda também a este desafio!”
António Garcia Pereira