Foi nos últimos dias anunciado um conjunto de cerimónias de “homenagem”
a Ribeiro Santos e designadamente uma para sexta feira, 12/10/2012, pelas 11h00,
e consistente no “desvelar de placa evocativa” no Largo onde aquele morou e que
está a ser levada a cabo por organizadores que propositada e ostensivamente
convidaram a participar nesse e noutros eventos toda a sorte de pessoas excepto
precisamente aquelas que pertencem ao Partido pelo qual Ribeiro Santos deu a
sua vida, ou seja, o PCTP/MRPP!
Eu próprio, depois de ter sido convidado a intervir como orador numa
alegada sessão de homenagem a Ribeiro Santos a ter lugar no Auditório da
Faculdade de Direito no próximo dia 17/10, recebi de um dos membros da
respectiva Comissão Organizadora no final da tarde do passado dia 1/10 um mail
que referia, ipsis verbis, e sem
qualquer tentativa sequer de explicação, o seguinte: “Por razões alheias à nossa
vontade, teremos, infelizmente, que cancelar o convite que lhe foi feito para
estar presente na sessão que terá lugar dia 17 de Outubro”! Quando
questionados, tentaram então engendrar toda a sorte de desculpas esfarrapadas
para este autêntico saneamento político.
Tornou-se assim claro – e foi-se revelando cada vez mais evidente à
medida que entre ontem e hoje se conheceram os outros “eventos” – que os organizadores
dos mesmos o que pretendem é afinal levar a cabo uma série de acções para as
quais convidam todos aqueles que foram membros do PCTP/MRPP e dele se afastaram
ou foram afastados (e têm por ele um ódio absolutamente vesgo) mas não convidam
ninguém que esteja actualmente no Partido. E, apresentando-se sempre como sérios”
e “independentes”, não têm sequer a coragem de assumir a censura e as
provocações que praticam. Em suma, trata-se de “comemorações”, “cerimónias” e
até “conferências” em que, sob a capa de se pretender “homenagear” Ribeiro Santos,
do que se trata afinal é de ignorar por completo a causa e a linha política por
que ele se bateu e morreu e, cobardemente, discriminar e atacar o Partido a que
ele pertenceu!
Atitudes destas não podem nem devem deixar de merecer o mais vivo
repúdio de todos os cidadãos democratas!
Apelo, assim e mais uma vez, a todos os que queiram realmente homenagear Ribeiro Santos para que participem na sessão pública que terá lugar a 12/10, às 21h00, na Av. do Brasil, 200 A.
Por fim, deixo aqui um link que conta o que realmente se passou naquela tarde de 12 de Outubro de 1972:
Esta sexta-feira, 12 de Outubro, o PCTP/MRPP organiza uma romagem de
sentida homenagem aos camaradas RIBEIRO SANTOS (assassinado a 12/10/1972
pelos esbirros da PIDE) e ALEXANDRINO DE SOUSA (assassinado a
09/10/1975 pelos social-fascistas da UDP).
Às 21h00 terá lugar uma sessão de Homenagem na Avenida do Brasil, 200 A.
Para aqueles que desconhecem o que se passou:
Alexandrino de Sousa:
Ribeiro Santos:
Porque Ribeiro Santos constituiu e constitui um exemplo para quantos o
conheceram e tiveram o privilégio de com ele privar e porque hoje alguns
querem fazer esquecer esse exemplo mas também porque a ele devo o
impulso decisivo para passar a militar activamente na Organização do
MRPP, esta é uma data que deve ser sempre recordada e por isso transcrevo aqui um texto meu publicado em Outubro de 2003:
“(...) pelas cinco da tarde, num anfiteatro do então denominado
Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais (hoje, ISEG),
um esbirro da PIDE de nome António Joaquim Gomes da Rocha assassinou a
tiro o jovem estudante de Direito, José António Ribeiro Santos.
Esse crime cobarde cujo autor ficou sempre impune, mesmo após o 25 de
Abril de 1974 (!) representou um dos últimos estertores do regime
fascista que, não obstante todo o seu arsenal repressivo, não mais
recuperou do profundo abalo que então viria a sofrer.
Na verdade, no
próprio dia do assassinato (uma 5ª feira), no dia seguinte e sobretudo
no dia do funeral (Sábado), em que a PIDE e a polícia de choque, à força
de bastonada, arrancaram a urna dos braços dos camaradas, colegas e
amigos de Ribeiro Santos para tentar levá-la à surrelfa para o cemitério
da Ajuda, toda a cidade de Lisboa foi sacudida por contínuas
manifestações de revolta contra aquele crime hediondo.
Recordo-me,
como se fosse hoje, de que logo a seguir ao almoço daquele Sábado
apanhei a carreira de autocarros nr. 27, que fazia então o percurso
entre o Apeadeiro do Areeiro e o Cemitério da Ajuda, passando
precisamente pelo Largo de Santos, onde Ribeiro Santos morava com os
pais e de onde estava previsto que partiria o funeral. O autocarro, que
começou a sua viagem praticamente vazio, foi-se enchendo sucessivamente
ao longo da mesma. Enchendo de homens e de mulheres, de jovens, de
adultos e de idosos que, trocando apenas olhares cúmplices entre si, se
faziam reciprocamente sentir que todos “sabiam ao que iam”.
Apesar de
todas as ameaças feitas desde a antevéspera pelo Governo e de todo o
aparato repressivo e policial então colocado por toda a cidade, mas
muito em particular no Largo de Santos e no Cemitério da Ajuda, dezenas e
dezenas de milhares de cidadãos anónimos acorreram ao apelo da luta
pela Liberdade e pela Democracia, enfrentaram durante horas e horas a
fio, corajosa e decididamente, as sucessivas cargas da polícia de
choque, os tiros, os ataques com cães, e tornaram assim clara a sua
firme disposição de acabar com um regime de ditadura e tirania que ao
invés do que precisamente alguns oportunistas e derrotistas sempre
pregavam não era invencível e que tinha afinal os dias contados.
Ribeiro Santos foi assassinado pela PIDE dentro de uma Universidade,
precisamente porque foi dos primeiros estudantes a lançar-se contra os
dois assassinos que, de arma pronta a disparar, haviam sido trazidos
pela Direcção do Instituto e por membros da própria Associação de
Estudantes de “Económicas” (!?), para o interior de uma reunião
estudantil (um meeting contra a repressão), sob o pretexto de virem
identificar um bufo que pouco tempo antes havia sido detectado e
manietado pelos mesmos estudantes.
Ribeiro Santos, que tombou varado
pelas balas a escassos metros do local onde eu próprio me encontrava,
era então um estudante do 4º ano de Direito, dirigente da respectiva
Associação de Estudantes e militante da organização do MRPP para a
juventude estudantil. Tendo tido o privilégio de o conhecer e de com ele
privar, posso dizer que ele esteve sempre na primeira linha de combate
em todas as lutas pela Liberdade e pela Democracia, contra a repressão e
contra a guerra colonial. Por isso mesmo aliás já fora objecto de
diversos processos e da aplicação de sanções disciplinares aplicadas
pelo decrépito Conselho Escolar da nossa Faculdade (dirigida então pelo
famigerado Professor Soares Martinez). Sempre simpático e afável no
trato, pessoa culta e inteligente, permanentemente disponível para
ajudar os mais novos e mais inexperientes, Ribeiro Santos era
simultaneamente de uma firmeza inquebrantável na defesa dos princípios.
Quando
a luta aquecia, quando o combate se tornava mais duro – em 1972, a
Faculdade de Direito estava e não permanentemente cercada pela polícia de
choque, ocupada pelos tristemente célebres “gorilas” e transformada num
verdadeiro campo de concentração, e todo o País era varrido por uma
onda crescente de revolta contra a guerra colonial – Ribeiro Santos dava
sempre o primeiro passo em frente. Fê-lo, uma vez mais, naquela tarde
de 12 de Outubro de 1972 e pagou-o com a sua própria vida. Mas não foi
em vão que o seu sangue correu! O regime que o assassinou caiu ano e
meio depois. E a memória de Ribeiro Santos e do seu exemplo heróico
continua de pedra e cal nos nossos corações.
Hoje em dia, em que se
procura a todo o custo fazer apagar a nossa História recente e liquidar a
nossa memória colectiva, grande parte dos nossos jovens desconhecerão
ainda quem foi José António Ribeiro Santos, estudante universitário e
militante marxista-leninista assassinado pela PIDE em 12 de Outubro de
1972.
Mas essa é também e precisamente uma grande, uma enorme
responsabilidade nossa: a de não deixarmos que o pó do esquecimento se
abata sobre o que de mais importante existe nesse magnífico património
que são a nossa História e a nossa experiência, e de o transmitirmos às
gerações mais novas. Um Povo sem memória e sem causas será sempre um
Povo castrado, derrotado, tiranizado. E não há Poder algum, por mais
despótico que se apresente, que seja invencível.
É, pois, procurando
dar também o meu contributo para a preservação dessa mesma memória
colectiva que aqui ergo a minha voz, arrancando ainda e uma vez mais do
fundo da minha alma o grito de “Honra a Ribeiro Santos!”.” (Publicado in Fórum Culturas, nr. 16, em Outubro de 2003)