Os mesmos economistas que ainda há um ou dois anos atrás defendiam, como solução de “sucesso”, o modelo económico de especulação financeira e da destruição da capacidade produtiva - que precisamente conduziu o nosso País, e não só, à crise e ao desastre, reaparecem agora, e sem qualquer pudor, a defender como inevitável o pagamento da dívida e o cumprimento do acordo com a tróica, e a defender como novas soluções de “sucesso” a aposta na facilitação dos despedimentos, no abaixamento dos salários e das contribuições patronais para a segurança social, na privatização e venda a preço de saldo dos poucos activos que ainda restam ao País, na diminuição brutal das garantias sociais, política esta que o Governo, sempre invocando o dito acordo da tróica, mas indo até e por diversas vezes além dele, está agora a tratar de executar a todo o transe.
Ora, e antes de mais, impõe-se referir que o Povo Português não deve aceitar pagar uma dívida que não foi ele que contraiu nem foi contraída em seu benefício e também que, antes e acima de tudo, se imporia fazer uma auditoria independente à mesma dívida, para assim determinar rigorosamente quanto se deve, a quem se deve e porque é que se deve.
Já todos compreendemos, todavia, que os dirigentes políticos e partidos que aceitam e apoiam o citado acordo com a tróica não querem que tal auditoria se realize, pois sabem perfeitamente que, uma vez que se conhecesse com precisão em que consiste e donde provém a propalada “dívida”, nenhum elemento do Povo Português aceitara dar mais um cêntimo que fosse para o respectivo pagamento.
Depois, a lógica do “facto consumado” e a imposição dum verdadeiro “estado de sítio” informal que se nos estão a pretender impor, com a suspensão “de facto” da Constituição e o silêncio cúmplice, entre outros, do próprio Tribunal Constitucional, e tudo isto sob a invocação de que estas medidas estão no referido “Acordo da tróica”, escamoteiam que tal “Acordo” será, quando muito, um Acordo ou Convenção Internacional, de grau hierárquico inferior à Constituição, que por isso não a pode suspender ou invalidar, e que se a contrariar, como sucede com grande parte do seu contendo, será inconstitucional e não poderá vigorar na Ordem Jurídica interna.
Por outro lado, é preciso não esquecer que foi precisamente o modelo defendido por estes “especialistas”, assente na lógica da destruição do essencial da nossa capacidade produtiva a troco dos milhões da UE, e da consequente transformação de Portugal num País praticamente sem Agricultura, (que seria para a França) sem Indústria (que seria para a Alemanha), sem Minas e sem Pescas (que seria para a Espanha) e com um sector terciário em larga medida de baixa qualificação, e também na lógica de uma pretensa competitividade decorrente do trabalho intensivo (muitas horas de trabalho), pouco qualificado e mal pago (com salários muito baixos), que conduziu o nosso País ao desastre, à destruição da produção nacional e à transformação de Portugal num País cada vez mais dependente do exterior e, logo, cada vez mais endividado.
Acresce que a tese da pretensa necessidade da “flexibilização”, leia-se da “desregulação”, para assim se atrair investimento estrangeiro, conduz em última instância ao resultado da ausência de qualquer regulação social, já que dentro dessa lógica – e tal como, aliás, as agências de rating, então muito elogiadas, sempre defenderam… – os destinos privilegiados dos investimentos serão sempre os “paraísos” da aniquilação e destruição dos mais básicos direitos humanos e sociais.
Por outro lado ainda, como a experiência dos últimos 30 anos na Europa bem mostra, mas os “economistas” e “especialistas” seus defensores procuram escamotear, não há nenhuma demonstração de que as politicas – que não têm novidade nenhuma e representam apenas o “recauchutamento” de velhas receitas do final dos anos 70 no resto da Europa e meados/finais dos anos 80 entre nós – de flexibilização e desregulação laboral e social tenham tido por resultado o aumento da produtividade ou, mais importante ainda, o aumento do emprego.
Não existe alternativa de desenvolvimento para o País que passe pela aceitação do pagamento da dívida pois, dada a dimensão e natureza da mesma, o resultado desde logo será que quanto a todas as medidas, por mais restritivas e violentas que sejam, adoptadas num mês, logo se vem dizer no mês seguinte que afinal não chegam e que é preciso ainda mais do mesmo, ou seja, aumento dos impostos sobre quem trabalha (nos grandes interesses económico-financeiros obviamente que se não toca, porque isso poderia “assustar os mercados” e “afastar o investimento externo”…), diminuição brutal dos salários (seja pelo seu corte directo, seja pela facilitação e embaratecimento dos despedimentos) e, sob a formula eufemística do “combate à despesa”, a restrição de acesso e o aumento do custo dos serviços essenciais dos cidadãos como a Saúde, a Educação, os Transportes, a Justiça, etc..
O caminho proposto pelos “doutores da ciência económica do regime” será, assim, o da venda dos poucos activos de que o País ainda dispõe e o empobrecimento e o lançamento da grande maioria da população, durante décadas, a níveis mais baixos do que os da governação de Salazar.
Mas, ao invés do que proclamam esses autênticos “doutores da desgraça” (só para o Povo, é claro!), a alternativa existe, sendo que Portugal tem enormes vantagens competitivas de partida, a começar pela sua inigualável localização geo-estratégica!
Para isso, precisamos dum governo democrático patriótico com um programa de desenvolvimento da economia, na linha mestra de tratar de produzir para não ter de importar, e assente num conjunto de criteriosos investimentos na Agricultura, nas Pescas (pois Portugal tem a maior zona económica de toda a UE, hoje absolutamente entregue às frotas pesqueiras estrangeiras, a começar pela espanhola), na Indústria (em particular nos sectores onde temos um enorme e prestigiado “know-how” acumulado, como a Construção e Reparação Naval e Metalurgia e Metalo-mecânica) e na Tecnologia.
Peça essencial desse plano de desenvolvimento da economia nacional, e também de combate ao desemprego, deverá ser o investimento estratégico na edificação de um conjunto de portos atlânticos devidamente modernizados e apetrechados (como já é hoje o caso de Sines, ponto crucial absolutamente estratégico de todo o tráfego marítimo internacional, sobretudo após a abertura, a partir de 2013, do Canal do Panamá à passagem dos maiores porta-contentores do Mundo, determinando assim que a melhor rota de e para Oriente, designadamente de e para a China, seja por Ocidente…) e uma rede de transporte ferroviário misto (passageiros e mercadoria), em bitola europeia, ligando esses portos entre si e fazendo uma ligação à Europa pela via mais directa, rápida e competitiva e que constitui o nosso “pipeline” natural, ou seja, Vilar Formoso – Salamanca – Irún (em vez do trajecto assente essencialmente na passagem pela centralidade de Madrid, como os espanhóis nos pretendem impôr).
E este rasgar de novos caminhos passa também pela aposta nos grandes factores de produtividade do século XXI (incorporação tecnológica, qualificação do trabalho e dos processos, capacidade de inovação, excelência de gestão, etc.), pelo combate sem tréguas à corrupção e à burocracia, pela imposição à Banca – que se especializou em longa medida na mera especulação financeira – do apoio às actividades produtivas e na modificação radical do sistema fiscal, actualmente perseguidor e penalizador dos “alvos fáceis” como os trabalhadores por conta de outrém e ao qual a grande riqueza se exime por completo.
A alternativa existe, pois, e é viável!
Do que o País necessita é, isso sim, duma nova política, democrática patriótica, e duma visão estratégica baseada nessa política, e não da lógica da venda do País a retalho e da definitiva transformação do nosso País numa espécie de “Malásia de 2ª” da União Europeia.
E, como creio que agora todos agora compreenderão – mas quando aqui já uns meses atrás alguns, poucos, o disseram, (quase) ninguém os quis ouvir… – era afinal toda esta problemática que deveria ter sido ampla e democraticamente discutida na última campanha eleitoral, em vez da autêntica fraude a que assistimos, consistente em nos procurarem convencer de que o “Acordo com a tróica” (sempre convenientemente escondido nas suas consequências essenciais e mais gravosas) tinha que ser cumprido e que só poderíamos escolher entre as forças políticas que alunos mais aplicados na sua execução se mostrassem.
Os resultados da aceitação dessa fraude – levada a cabo com a prestimosa colaboração de todo um cortejo de economistas, especialistas, comentadores, jornalistas e analistas – começa agora a estar à vista.
Há agora é que romper com essa lógica, cortar com a traição nacional em curso (porque é disso que verdadeiramente se trata) e impor um rumo novo ao País!