terça-feira, 29 de maio de 2012

SERVIÇOS DE INFORMAÇÕES EM RODA LIVRE



Afinal já havia quem há muito o denunciasse, só que nessa altura (quase) ninguém quis ouvir!...

Pela actualidade e premência do respectivo teor aqui ficam excertos da comunicação que, sob o título “O 25 de Abril deixou de existir!” tive oportunidade de apresentar ao I Congresso da Democracia Portuguesa, realizado em Lisboa (Fundação Calouste Gulbenkian) em Novembro de 2004, ou seja, há sete anos e meio atrás!


“O regime democrático estabelecido com o 25 de Abril deu a alma ao criador, e o que temos hoje é a instalação crescente, que começou de forma larvar e hoje se faz de modo cada vez mais evidente e alargado, de um verdadeiro proto-fascismo, que liquidou a Democracia e a transformou numa mera fachada, cada vez mais decrépita.

A verdade, absolutamente lamentável, é que ninguém, ou quase ninguém, se apercebeu como a Justiça, de Código em Código, de reforma legislativa em reforma legislativa, foi evoluindo no sentido de ir liquidando a Democracia (como é exemplo o Processo Penal, que com as reformas, em larga medida adoptadas pelos Governos PS sob a batuta do ex-Procurador Geral da República Cunha Rodrigues, tem hoje uma lei pior que o Código do fascismo de 1929).

O sector da Justiça foi assim derivando, derivando – com excepção da reforma das leis Administrativas, da responsabilidade fundamental do Prof. Freitas do Amaral, consubstanciada no tríptico do Código do Procedimento Administrativo (que aliás hoje se quer liquidar), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o Código dos Tribunais Administrativos e, enfim, a lei sobre a responsabilidade extra-contratual do Estado (que nunca mais é publicada) – o sector da Justiça foi derivando sucessivamente, dizia, até atingirmos um ponto chave de extrema gravidade.
(…)
Violações absolutamente cirúrgicas do segredo de Justiça que só podem ser cometidas pela acusação pública (como as que se seguiram por exemplo, e à guisa de contra-ataque, ao Acórdão que ordenou a libertação de Paulo Pedroso); grupos de Jornalistas, ex-assessores, ou futuros assessores do Poder e/ou adstritos a cada uma das forças policiais (PSP, GNR e PJ), que estão hoje claramente comprados por estas forças (mesmo que a gente não os veja a passar o recibo) e ao serviço delas. Instituída, praticada e cada vez mais implementada a possibilidade de se lincharem, de forma tão irremediável quanto verdadeiramente impune, cidadãos incómodos – eis o ponto a que nós chegámos neste campo.
(…)
E – “the last but not de least !” – assistimos também a uma cada vez maior autonomia, um crescendo de poder e de arrogância, e agora à autêntica “roda livre”, das polícias e dos Serviços de Informação neste país.
(…)
Ora, se se chegou aqui foi porque, sempre em nome da “segurança”, se promoveu e se permitiu o desenvolvimento, primeiro de forma larvar e depois, de modo cada vez mais evidente, de novas polícias políticas, a actuarem, a crescerem, a cruzarem-se e a coordenarem-se entre si, a centralizarem-se e a organizarem ficheiros e bases de dados e a levarem a cabo operações secretas, sem nenhuma espécie de fiscalização, no Parlamento e fora dele.
É preciso assim dizer com todas as letras que estamos hoje perante autênticas sociedades secretas, que controlam cada vez mais, que fazem escutas, que têm contacto com os indivíduos mais ignóbeis (como o espião sul-africano Peter Groenwald, procurado em diversos países pelo assassinato a sangue frio de vários elementos do ANC e que se safou impune em Portugal por colaborar com o SIS), que no silêncio da impunidade e na escuridão da falta de controle democrático, vigiam, espiam, manejam, manipulam e assassinam civicamente, com balas (leia-se, jornais e televisões) bem mais eficazes do que aquelas que mataram John Kennedy!...

E se uns são responsáveis políticos directos (como os partidos de direita) que consciente e organizadamente puseram de pé e consolidaram estes instrumentos de poder e de repressão, outros, como o PS, ou são também directamente responsáveis (pois aprovaram de cruz todas e cada uma das medidas nessa área) ou são irremediavelmente obtusos por pensarem que a repressão é boa desde que sejam eles a controlá-la e ainda por julgarem que poderiam alguma vez controlar esta autêntica “orquestra negra” que se foi sucessivamente agrupando e montando nas nossas costas e que, após diversos ensaios mais ou menos silenciosos, iniciou já a ribombante interpretação final da marcha fúnebre da Liberdade e da Democracia!...

Com polícias e serviços de informação que são assim verdadeiras “sociedades secretas”, e, mais do que isso, verdadeiras centrais de conspiração negra, actuando em “roda livre”;

Com uma Justiça em que o princípio constitucional da presunção de inocência foi integralmente substituído pelo princípio pidesco da presunção de culpabilidade, em que os maiores e mais importantes poderes, a começar pelo Ministério Público, são incontrolados e incontroláveis, em que todas as liberdades e direitos democráticos foram pura e simplesmente liquidados e aniquilados, e que hoje constitui antes um instrumento privilegiado para operações cirúrgicas de assassinato cívico de diversos políticos;
(…)
Onde estão afinal as elites universitárias, os escritores? Onde estão os intelectuais? Perderam em definitivo a capacidade de pensar livremente e a capacidade de se indignarem? Preferiram de vez deixar-se abater pelo desânimo, pelo perorar acerca da saudade e do passado próximo ou distante? Onde está a Esquerda?

É que se ninguém faz nada, e como estamos todos no mesmo esburacado e destruído barco da Democracia, ele afundar-se-á irremediavelmente.

Meus Caros Amigos:

Não podemos assim deixar que suceda que:

“Primeiro, levaram os judeus.
Mas não falei, por não ser judeu.

Depois, perseguiram os comunistas.
Nada disse então, por não ser comunista.

Em seguida, castigaram os sindicalistas.
Decidi não falar, por não ser sindicalista.

Mais tarde, foi a vez dos católicos.
Também me calei, por ser protestante.

Então, um dia, vieram buscar-me.
Mas, por essa altura, já não restava nenhuma voz
Que, em meu nome, se fizesse ouvir.”
(Martin Niemöller)

Será então que nos vamos deixar afundar? Será que nos vamos calar? Será que vamos pôr o joelho em terra neste combate?

Por mim, respondo desde já: NÃO, NÃO VOU POR AÍ!

E até por isso mesmo, convoco-vos aqui e agora para que cada um de vós responda também a este desafio!”


António Garcia Pereira