Porque Ribeiro Santos constituiu e constitui um exemplo para quantos o conheceram e tiveram o privilégio de com ele privar e porque hoje alguns querem fazer esquecer esse exemplo mas também porque a ele devo o impulso decisivo para passar a militar activamente na Organização do MRPP, esta é uma data que deve ser sempre recordada.
“(...) pelas cinco da tarde, num anfiteatro do então denominado Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais (hoje, ISEG), um esbirro da PIDE de nome António Joaquim Gomes da Rocha assassinou a tiro o jovem estudante de Direito, José António Ribeiro Santos.
Esse crime cobarde cujo autor ficou sempre impune, mesmo após o 25 de Abril de 1974 (!) representou um dos últimos estertores do regime fascista que, não obstante todo o seu arsenal repressivo, não mais recuperou do profundo abalo que então viria a sofrer.
Na verdade, no próprio dia do assassinato (uma 5ª feira), no dia seguinte e sobretudo no dia do funeral (Sábado), em que a PIDE e a polícia de choque, à força de bastonada, arrancaram a urna dos braços dos camaradas, colegas e amigos de Ribeiro Santos para tentar levá-la à surrelfa para o cemitério da Ajuda, toda a cidade de Lisboa foi sacudida por contínuas manifestações de revolta contra aquele crime hediondo.
Recordo-me, como se fosse hoje, de que logo a seguir ao almoço daquele Sábado apanhei a carreira de autocarros nr. 27, que fazia então o percurso entre o Apeadeiro do Areeiro e o Cemitério da Ajuda, passando precisamente pelo Largo de Santos, onde Ribeiro Santos morava com os pais e de onde estava previsto que partiria o funeral. O autocarro, que começou a sua viagem praticamente vazio, foi-se enchendo sucessivamente ao longo da mesma. Enchendo de homens e de mulheres, de jovens, de adultos e de idosos que, trocando apenas olhares cúmplices entre si, se faziam reciprocamente sentir que todos “sabiam ao que iam”.
Apesar de todas as ameaças feitas desde a antevéspera pelo Governo e de todo o aparato repressivo e policial então colocado por toda a cidade, mas muito em particular no Largo de Santos e no Cemitério da Ajuda, dezenas e dezenas de milhares de cidadãos anónimos acorreram ao apelo da luta pela Liberdade e pela Democracia, enfrentaram durante horas e horas a fio, corajosa e decididamente, as sucessivas cargas da polícia de choque, os tiros, os ataques com cães, e tornaram assim clara a sua firme disposição de acabar com um regime de ditadura e tirania que ao invés do que precisamente alguns oportunistas e derrotistas sempre pregavam não era invencível e que tinha afinal os dias contados.
Ribeiro Santos foi assassinado pela PIDE dentro de uma Universidade, precisamente porque foi dos primeiros estudantes a lançar-se contra os dois assassinos que, de arma pronta a disparar, haviam sido trazidos pela Direcção do Instituto e por membros da própria Associação de Estudantes de “Económicas” (!?), para o interior de uma reunião estudantil (um meeting contra a repressão), sob o pretexto de virem identificar um bufo que pouco tempo antes havia sido detectado e manietado pelos mesmos estudantes.
Ribeiro Santos, que tombou varado pelas balas a escassos metros do local onde eu próprio me encontrava, era então um estudante do 4º ano de Direito, dirigente da respectiva Associação de Estudantes e militante da organização do MRPP para a juventude estudantil. Tendo tido o privilégio de o conhecer e de com ele privar, posso dizer que ele esteve sempre na primeira linha de combate em todas as lutas pela Liberdade e pela Democracia, contra a repressão e contra a guerra colonial. Por isso mesmo aliás já fora objecto de diversos processos e da aplicação de sanções disciplinares aplicadas pelo decrépito Conselho Escolar da nossa Faculdade (dirigida então pelo famigerado Professor Soares Martinez). Sempre simpático e afável no trato, pessoa culta e inteligente, permanentemente disponível para ajudar os mais novos e mais inexperientes, Ribeiro Santos era simultaneamente de uma firmeza inquebrantável na defesa dos princípios.
Quando a luta aquecia, quando o combate se tornava mais duro – em 1972, a Faculdade de Direito estava enão permanentemente cercada pela polícia de choque, ocupada pelos tristemente célebres “gorilas” e transformada num verdadeiro campo de concentração, e todo o País era varrido por uma onda crescente de revolta contra a guerra colonial – Ribeiro Santos dava sempre o primero passo em frente.
Fê-lo, uma vez mais, naquela tarde de 12 de Outubro de 1972 e pagou-o com a sua própria vida. Mas não foi em vão que o seu sangue correu! O regime que o assassinou caiu ano e meio depois. E a memória de Ribeiro Santos e do seu exemplo heróico continua de pedra e cal nos nossos corações.
Hoje em dia, em que se procura a todo o custo fazer apagar a nossa História recente e liquidar a nossa memória colectiva, grande parte dos nossos jovens desconhecerão ainda quem foi José António Ribeiro Santos, estudante universitário e militante marxista-leninista assassinado pela PIDE em 12 de Outubro de 1972.
Mas essa é também e precisamente uma grande, uma enorme responsabilidade nossa: a de não deixarmos que o pó do esquecimento se abata sobre o que de mais importante existe nesse magnífico património que são a nossa História e a nossa experiência, e de o transmitirmos às gerações mais novas.
Um Povo sem memória e sem causas será sempre um Povo castrado, derrotado, tiranizado. E não há Poder algum, por mais despótico que se apresente, que seja invencível.
É, pois, procurando dar também o meu contributo para a preservação dessa mesma memória colectiva que aqui ergo a minha voz, arrancando ainda e uma vez mais do fundo da minha alma o grito de “Honra a Ribeiro Santos!”.”
(Publicado in Fórum Culturas, nr. 16, em Outubro de 2003)
Como disse num post do "Escrita em Dia", no momento presente o ser humano, perdeu quase todo o seu orgulho e memória, dos verdadeiros heróis de carne e osso. A sociedade é neste momento direccionada para os ídolos e os ícones, que são promovidos para fazer exactamente aquilo que nunca devia ser feito, como diz, perdermos a memória dos exemplos de coragem e de bravura, a memória colectiva que nos dá identidade... Não convém seguirmos esses exemplos de bravura. Pessoas assim, podem levar a uma revolução, ou mudar o estado de coisas que convém aos dirigentes de uma sociedade alienada, mais parecida com um monte de autómatos maquinizados e sem vontade própria. Já não se aprende na escola, quais foram os nossos heróis, pode ser um mau exemplo para a sociedade global, que se quer bem ignorante e sem vontade própria. Uma consola playstation, tira tanto trabalho, aos pais e mães, que vêm já cansados de trabalhar como formigas, para sustentar a "raínha" e neste caso, seus acólitos.
ResponderEliminarUma coisa que eu nunca perdoarei a Mário Soares, que foi uma das vítimas da PIDE, foi ter saído do fascismo, para entrar directamente nesta farsa que é o neoliberalismo.
A memória colectiva portuguesa está muito diluída, porque a televisão veio substituir, os Valores, a partilha de ideias e as tradições, pelo consumo e dinheiro! Consegue destruir famílias inteiras, essa caixa. Da mesma forma e como a sociedade assenta na família, já poucas sabem o que são os Valores de uma sociedade.
Por exemplo foi editado um livro de História de Portugal, pelo Círculo de Leitores de Maria Candida Proença e isso é bom! Mas o que acontece é que este livro, chega apenas a priveligiados... muito apelativo para a juventude e de conteúdo importante e marcante, os Descobrimentos, mas se isto fosse ensinado na escola, desde tenra idade era acessível a todos!
As gerações mais novas estão condenadas à ignorância, porque apenas um pequeno segmento da sociedade tem acesso à cultura e isso é mau! Porque assim deixa de ser colectivo, não abrange a grande maioria das pessoas. Os livros são caríssimos e a TV é mais barata.
Ribeiro Santos foi um grande, mas jovem Herói, com a noção de Valores Humanos, que se colocou na primeira linha, para defender esses Princípios. Quem faria isso hoje? não sei... mas há-de chegar o dia, que os heróis como ele vão ter de se revelar. Haja muitos como ele!
Como diz, honra seja feita a Ribeiro Santos.
Vou um bocado atrasada, mas queria ler isto, com um pouco mais de tempo.
Um povo sem memória é um povo sem futuro e por isso mesmo os ditadores de todas as épocas sempre apostaram no esquecimento colectivo, contra o qual nos devemos bater, sempre e sempre.
ResponderEliminarA responsabilidade de pessoas como o Dr. Mário Soares, e também do Dr. Manuel Alegre, é, de facto, muito grande. Porque depois de tanto, e com tanta razão, terem criticado as políticas neo-liberais lá fora, ao terem apelado cá dentro ao voto no Representane máximo do neo-liberalismo em Portugal, ou seja, em Sócrates, ajudaram a cristalizar o partido socialista naquilo que ele hoje verdadeiramente é, ou seja, um partido de direita, com um apolítica de direita, mais à direita mesmo em alguns aspectos do que os partidos que se apresentam claramente como representantes do grande capital se atreveriam a defender. E essa responsabilidade é ainda maior quando se trata de pessoas com importância incontornável na defesa da liberdade e da democracia para o nosso País.
Mas não se pode ser contra o Bush na América e contra o Durão Barroso na Europa e ser a favor de Sócrates em Portugal...
Saúdo a existência de pessoas que ainda não se deixaram totalmente adormecer pela propaganda vigente nos grandes meios de informação.
ResponderEliminarAcrescento, no entanto, que é preciso ter consciência que os sacrifícios destes heróis só ajudam a luta para uma sociedade melhor
quando fazem parte de uma corrente politica correcta.
O que fazer?
Face às mudanças que ocorreram nos últimos anos, já terá surgido uma politica que tenha em conta esta nova realidade e que leve a sociedade no rumo de uma vitoria e não na manutenção da situação actual.
Salsa Correia