sexta-feira, 21 de agosto de 2009

"Em frente a gente desta, não se chora"


Quer com os meus pais quer com o meu avô, aprendi grandes princípios e aprendi a fidelidade aos princípios, aprendi esse modo de se estar que é o de se fazer aquilo que em consciência se considera que é correcto, nem que chovam canivetes. O de nos batermos contra o que consideramos que é injusto e errado.
Há um episódio que nunca esqueço, que se passou com a minha mãe, quando o meu tio estava preso. Ele era o capitão Pestana do assalto ao Quartel de Beja... foi preso, levado para a PIDE, para a rua António Maria Cardoso, sujeito à tortura do sono, esteve encarcerado nos curros da Prisão do Aljube, onde o preso não conseguia sequer pôr-se de pé. A cela era um verdadeiro curro e esteve oito dias em tortura do sono… E quando ao fim de um mês e tal foram finalmente permitidas as visitas, a minha mãe tomou a decisão – que aliás gerou alguma controvérsia na família - de me levar também. Tinha 9 anos de idade.
A prisão do Aljube era uma prisão lúgubre, de paredes grossíssimas, umas luzes muito débeis lá no alto do tecto, um pé direito muito elevado. Grades por todos os lados. O preso vinha, era colocado num local onde tinha grades por trás e grades pela frente, um intervalo onde estava um PIDE a escutar a conversa, mais uma fiada de grades, os familiares, mais grades por detrás de nós.
Quando o meu tio entrou, não o reconheci. Estava completamente desfigurado, não por ter sido espancado, mas porque a tortura do sono o tinha desfigurado por completo. E só quando ele começou a falar lhe reconheci a voz. Ao ver o meu tio naquele estado, comecei a choramingar… a minha mãe agarrou-me no braço, apontou o PIDE e disse-me “em frente de gente desta, não se chora”.

5 comentários:

  1. é daquelas historias que se ouvem e no final não se ouve sequer o barulho do calor de Agosto, não sei se é verdade pois felizmente nunca vivi esses tempos, mas que fiquei sem palavras e talvez- como explicar - uma especie de mistura de alegria interior, porque mesmo passando por os problemas todos que tenho perante o cenário tão bem descrito ainda sou uma pessoa com sorte misturado com emoção, porque com 9 anos não sei como iria reagir ao ver o meu tio assim, não sei se me explico ! Gostei !

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  2. DEve ter sido uma experiência que lhe ficou marcada para toda a sua vida.... A minha mãe também me conta episódios quando os da PIDE vinham buscar um tio meu que era um operário daqueles que distribuiam os jornais de esquerda, a mulher enquanto eles estavam lá em casa não se cansava de lhes chamar nomes... São lições que esta gente mais jovem deviam ter...

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  3. Todos os dias deveriamos ouvir ou ler histórias destas para que possamos homenagear os homens (muitos anónimos) que tiveram que pagar com o sofrimento e com a própria vida, o facto de pensarem ou de agirem de forma diferente do regime.

    Um bem haja a todos estes homens que lutaram para que hoje 'enganadoramente' tenhamos liberdade!

    O direito a um pensamento diferente e livre, nos dias que hoje correm, é um luxo!

    O direito a um emprego estável, nos dias que correm, só é possivel caso haja submissão de pensamento relativamente ao empregador!

    O facto é, que enganadoramente somos livres, pois ou estamos com o regime (neste caso com poder instaurado)ou a nossa carreira estagna, ou simplesmente (por sermos connectados com algum ideal diferente) nem se quer arranca, ou seja, não obteremos emprego!

    Este é o Portugal de hoje, que infelizmente não é muito diferente do tempo da PIDE!

    Só falta mesmo é o castigo fisico, porque o castigo moral, etico já existe (e cada vez mais!)

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  4. Caros João e Carlos, obrigado pelas vossas palavras. Realmente foi uma lição que nunca mais esqueci e que mostra como, mais do que as palavras, é sobretudo com actos destes que nós aprendemos as maiores lições das nossas vidas, como eu aprendi como essa grande Senhora que era a minha Mãe.
    E é também porque “um povo sem memória é um povo sem futuro”, ou seja, sem razão crítica e sem capacidade para decidir pela sua própria cabeça, recusando-se a ser um bando de carneiros, que a memória colectiva é tão mal preservada entre nós – até a transformação da sede da PIDE na Rua António Maria Cardoso num condomínio de luxo foi autorizada pela Câmara de Lisboa e no tempo de João Soares – e tantos “democratas” de agora se empenham em impedir que tal memória seja transmitida aos mais novos.

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  5. Dedo:
    Concordo inteiramente consigo. Na verdade, vivemos hoje numa autêntica “democracia de opereta” em que os direitos e liberdades mais essenciais dos cidadãos estão cada vez mais condicionados, restringidos e esvaziados de conteúdo. O que mostra, entre outra coisas, que a democracia burguesa continua a ser uma ditadura de classe e que quando em 74 e 75 os trabalhadores chegaram às portas de S. Bento e acabaram por aceitar, como alguns lhes pregaram, manter intacto o Estado capitalista e mudar apenas os respectivos titulares do poder, convencidos que foram que assim é que se chegaria ao Socialismo, deveriam antes ter tomado esse poder nas suas mãos, ter demolido pela raiz o Estado burguês e começado a construir desde a base uma nova sociedade sem exploração nem opressão. É isso aliás que as inúmeras pessoas a quem eu hoje oiço dizer “Estamos é a precisar de um novo 25 de Abril mas desta vez a sério!”, querem afinal significar.

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